terça-feira, 17 de maio de 2016

A fundação Nacional do Índio – FUNAI – publicou na edição nº 93, na seção nº 01 – do Diário Oficial da União – DOU, de 17 de maio de 2016, Instrução Normativa nº 01, de 13 de maio de 2016, a qual estabelece normas e diretrizes, visando à promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens indígenas, além da efetivação do direito à convivência familiar e comunitária

Abaixo, IN 01/2016, na integra.


FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO


INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1, DE 13 DE MAIO DE 2016

Estabelece normas e diretrizes para a atuação da Funai visando à promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens indígenas e a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária.

O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 1º, I, a, Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, e pelo artigo 25, II e XVII, do Decreto nº 7.778, de 27 de julho de 2012, Considerando que:

O art. 227 da Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, reconhece como dever do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária - DCFC, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, em seu art. 2º, considera adolescente a pessoa com idade entre doze e dezoito anos, seguindo o princípio construído por sociedades não indígenas de que a adolescência é o período de transição entre a infância e a idade adulta; O art. 231 da Constituição Federal determina que o Estado Brasileiro valorize e respeite as culturas, as tradições e as formas de organização dos povos indígenas, inclusive suas diferentes concepções sobre construção da pessoa, as quais não correspondem necessariamente às classificações etárias não indígenas de infância, adolescência, juventude e vida adulta;
A presente Instrução Normativa utiliza o conceito jovem, ao invés de adolescente, por compreender que o conceito de adolescente não satisfaz à pluralidade de arranjos socioculturais percebidos em cada um dos diversos povos indígenas;
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, reconhece a importância das tradições e os valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança;
A Convenção da Organização Internacional do Trabalho - OIT nº 169, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, estabelece que os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito a sua integridade;
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas reafirma o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, não podendo ser submetidos à transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo, devendo ser dada particular atenção aos direitos das crianças;
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em seu art. 19, com redação dada pela Lei nº 13.257 de 08 de março de 2016, reconhece à criança e ao jovem o direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral;
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA buscou romper com a cultura da institucionalização da ameaça iminente ou consumada ao direito à convivência familiar e comunitária ao garantir a excepcionalidade da medida, estabelecendo que condições culturais diversas ou, ainda, situações consideradas pela sociedade não indígena como de pobreza não constituem motivo suficiente para o afastamento da criança e do jovem do convívio familiar e comunitário;
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA determina que nos processos de colocação de crianças e jovens indígenas em famílias substitutas sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, sendo priorizado que ocorram no seio de sua família extensa, comunidade ou junto a membros do mesmo povo;
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA estabelece a obrigatoriedade de intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista nos processos de colocação de crianças e jovens indígenas em famílias substitutas;
A Lei nº 5.371, de 05 de dezembro de 1967, atribui à Fundação Nacional do Índio - Funai a competência de "estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista" e que tal atividade só é possível a partir de articulação e diálogo com os demais entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e instituições do Estado brasileiro corresponsáveis que, na qualidade de executores de políticas públicas atendem aos povos indígenas, devem respeitar as especificidades de cada um deles, inclusive os povos de recente contato;
A Resolução nº 113 de 19 de abril de 2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA conceitua o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente - SGD como articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do jovem;
De acordo com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, apresentado ao Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e ao Conselho Nacional da Criança e do Adolescente - CONANDA, em dezembro de 2006, a convivência familiar e comunitária é fundamental para o desenvolvimento da criança e do jovem, os quais não podem ser concebidos de forma dissociada de sua família e do contexto sociocultural;
A Lei nº 13.257, de 08 de março 2016, determina que as políticas públicas voltadas para o atendimento dos direitos da criança na primeira infância (0 a 6 anos) deverão respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos socioculturais;
As famílias e comunidades indígenas também são detentoras do direito à convivência familiar e comunitária em relação às suas crianças e jovens, resolve:

Art. 1º Editar a presente Instrução Normativa, que tem como princípios basilares:

I - a promoção do direito à convivência familiar e comunitária;
II - a proteção de crianças e jovens indígenas em circunstância de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário;
III - a proteção de crianças e jovens indígenas em situação de violação aos direitos garantidos nos art. 227 e 231 da Constituição Federal.

Art. 2º Consideram-se, para os fins desta Instrução Normativa:

I - Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente - SGD - conjunto articulado das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do jovem, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal;
II - Rede de Proteção - o conjunto de instituições que elaboram, promovem e executam as políticas de atendimento aos direitos humanos de crianças e jovens, composto pelo Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializado em Assistência Social - CREAS, Conselho Tutelar, Defensoria Pública Estadual e Federal, Ministério Público Estadual e Federal, Conselho Municipal e Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente, e demais instituições cuja atuação seja afeta à defesa e promoção dos direitos humanos de crianças e jovens.

Art. 3º A Fundação Nacional do Índio - Funai integra o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente - SGD.
Art. 4º As unidades da Funai, no âmbito de suas competências, deverão apoiar a Rede de Proteção Local no atendimento e acompanhamento as crianças e jovens indígenas visando a efetivação do Direito a Convivência Familiar e Comunitária, buscando orientar para que essas ações atendam aos padrões socioculturais específicos dos diferentes povos indígenas.
Art. 5º Os casos envolvendo crianças e jovens indígenas, em circunstância de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário, deverão ser imediatamente comunicados para as unidades locais e regionais da Funai competentes, em caráter de urgência, devendo ser posteriormente providenciada a autuação em processo administrativo.

Parágrafo único. No contexto de povos de recente contato ou isolados, as Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental - CFPEs e respectivas Coordenações Regionais - CRs deverão informar os casos previstos no caput desse artigo à Diretoria de Proteção ao Desenvolvimento Sustentável - DPDS para acompanhamento, que encaminhará à Diretoria de Proteção Territorial - DPT para conhecimento.

DO ACOLHIMENTO FAMILIAR EMERGENCIAL

Art. 6º As Coordenações Regionais - CRs, as Coordenações Técnicas Locais - CTLs e as Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental - CFPEs da Funai, no âmbito de suas competências, ao tomar conhecimento de crianças ou jovens indígenas em circunstância de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário, e, constatando a possibilidade de imediata reinserção familiar e comunitária, deverão adotar os seguintes procedimentos, obrigatoriamente na seguinte ordem, conforme a necessidade:

I - acionar o Conselho Tutelar ou, na sua ausência, os demais agentes da Rede de Proteção, a fim de viabilizar a imediata reinserção familiar e comunitária, sempre levando em conta o paradigma da proteção integral e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

§ 1º Inexistindo o Conselho Tutelar ou demais agentes da Rede de Proteção Local, ou havendo comprovada dificuldade de acesso e comunicação, a unidade da Funai, excepcionalmente, deverá manter articulação com a família e a comunidade para, em conjunto, promover o acolhimento emergencial na mesma família nuclear ou extensa, comunidade, povo ou terra indígena.
§ 2º O acolhimento emergencial deve se dar na mesma família nuclear, extensa, parentela, comunidade, povo ou terra indígena, constituindo-se em uma ação que visa fortalecer a identidade sociocultural específica da criança ou jovem em relação ao pertencimento ao seu povo, de modo a preservar as práticas tradicionais de proteção e cuidado.
§ 3º A Funai deverá solicitar à comunidade que registre em ata sua decisão sobre o modo como a criança ou jovem foi acolhido emergencialmente, identificando os responsáveis pelo acolhimento, devendo constar que este acolhimento em hipótese alguma implica em disponibilidade para guarda, adoção ou inscrição no Cadastro Nacional de Adoção.
§ 4º A ata que registra a decisão da comunidade deverá instruir o processo administrativo.

Art. 7º Constatada, preliminarmente, a impossibilidade de retorno imediato da criança ou jovem à família, a unidade local da Funai remeterá o processo administrativo contendo toda a descrição dos fatos e documentos pertinentes à unidade competente da Procuradoria-Geral Federal para análise e providências jurídicas cabíveis.
Art. 8º Nos casos em que o processo demandar articulação interinstitucional ou orientações técnicas, a unidade da Funai poderá solicitar apoio à DPDS.

DO ACOLHIMENTO PROVISÓRIO

Art. 9º As unidades da Funai que identificarem ou tiverem ciência da existência de crianças e jovens indígenas em serviços de acolhimento deverão:

I - entrar em contato com a Gestão Local de Assistência Social, com o objetivo de qualificar o caso e registrar em relatório as seguintes informações: a.a situação da criança ou jovem;
b.a motivação da medida;
c.os dados do processo judicial, se houver;
d.o local de origem da criança ou jovem; e.se a Rede de Proteção foi acionada.

II - formalizar a ocorrência à Coordenação Regional respectiva, em caráter de urgência, caso a ciência do fato tenha se dado no âmbito das CFPEs e CTLs;
III - encaminhar ofício à unidade da Procuradoria-Geral Federal competente informando o caso e solicitando análise sobre eventual providência jurídica a ser adotada, de forma a garantir o cumprimento da legislação vigente;
IV - na ausência de manifestação da unidade regional da Procuradoria-Geral Federal, encaminhar memorando à DPDS, a qual enviará o documento à Procuradoria Federal Especializada junto à Funai Sede para conhecimento e medidas subsequentes;
V - oficiar ao programa/instituição de acolhimento, na forma do Anexo I, informando:

a.as especificidades constantes no art. 28, §6º, 161 e 162 do ECA;
b.que a permanência da criança ou jovem indígena no local do acolhimento não implica em hipótese alguma em disponibilidade para guarda ou adoção ou inscrição do menor no Cadastro Nacional de Adoção;
c.que a Funai requer informações prévias dos atos e procedimentos relativos a qualquer criança ou jovem indígena em situação de acolhimento provisório;
d.que a Funai, enquanto órgão indigenista oficial, requer participar do Plano Individual de Atendimento - PIA;

VI - requerer que seja viabilizada visita da família indígena à criança ou jovem, visando manter os vínculos familiares e comunitários;
VII - verificar se a família da criança foi cientificada da medida de proteção;
VIII - verificar se a criança e a família têm acesso à assistência jurídica imediata pela unidade da Procuradoria-Geral Federal competente ou pela Defensoria Pública regional;
IX - oficiar ao órgão gestão de Assistência Social municipal, distrital e/ou estadual para que seja assegurado à família indígena atendimento integral pelo Sistema Único da Assistência Social - SUAS, de forma a acompanhar a situação que possa ter gerado a vulnerabilidade da família;
X - solicitar à Procuradoria Federal Especializada que se manifeste no processo judicial, visando o cumprimento do constante no art. 28, § 6, III da Lei 8069/90, ainda que a Funai não tenha sido intimada pelo Poder Judiciário;
XI - solicitar, por meio da Procuradoria-Geral Federal, a participação da Funai no processo de elaboração e acompanhamento do Plano Individual de Atendimento - PIA;
XII - solicitar que a unidade responsável da Procuradoria Geral Federal mantenha informada a unidade regional sobre o andamento do processo judicial. Parágrafo único. Todos os atos constantes do presente artigo deverão ser registrados no processo administrativo respectivo.

DA PROMOÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA
FAMILIAR ECOMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E JOVENS
INDÍGENAS EM UNIDADES DE SAÚDE

Art. 10º As Coordenações Regionais - CRs, as Coordenações Técnicas Locais - CTLs e as Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental - CFPEs da Funai, ao tomar conhecimento de crianças ou jovens indígenas em circunstância de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário em unidades de saúde, hospitais e Casas de Saúde Indígena - Casai, deverão:

I - obter com a instituição informações acerca da identificação e origem da criança ou jovem, motivo da internação, e outros dados que se fizerem pertinentes, de forma a instruir o respectivo processo administrativo.
II - oferecer subsídios técnicos, junto à Rede de Proteção, para a localização da família e o acompanhamento da criança ou jovem;
III - oficiar, sob a forma do Anexo II, a Unidade de Saúde, hospital e Casa, informando:

a.que a permanência da criança ou jovem indígena no local não implica entrega para guarda ou adoção e que a Funai deverá ser informada previamente de todos os atos e procedimentos relativos à criança ou jovem;
b.que em hipótese alguma a criança ou jovem indígena em situação de acolhimento ou em atendimento médico deve ser confiada a terceiros;
c.que o art. 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA garante à criança e ao jovem a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável nos casos de internação.

Parágrafo único. Identificado o descumprimento das obrigações previstas no presente artigo, deverão ser acionados o Poder Judiciário e as instituições competentes com vista à garantia dos direitos da criança ou jovem indígena.

DAS ATRIBUIÇÕES DAS UNIDADES DA FUNAI

Art. 11. As Coordenações Regionais - CRs deverão:

I - orientar as Coordenações Técnicas Locais - CTLs e as Coordenações de Frentes de Proteção Etnoambiental - CFPEs, quando for o caso, quanto às normas da presente instrução, inclusive determinando prioridade ao acompanhamento destas ações;
II - atuar nas Comarcas e municípios, em conjunto com as equipes multiprofissionais conforme estabelecido no art. 28, § 6º, III, da Lei 8069/90, visando produzir subsídios fáticos e técnicos junto aos processos, priorizando o retorno da criança ou jovem às suas famílias ou, na sua impossibilidade, a colocação em família substituta da mesma comunidade, povo ou terra indígena de origem;
III - orientar que a demanda por subsídios deve ser realizada por via formal;
IV - auxiliar os membros executores do Sistema de Garantia de Direitos, em especial a Rede de Proteção, a dedicar prioridade na colocação em família substituta da mesma comunidade, povo ou terra indígena de origem da criança ou jovem;
V - apoiar, promover e articular, sempre que possível, a averiguação periódica da existência de crianças e jovens indígenas em serviços de acolhimento, unidades de saúde e outras entidades, que possam estar configuradas circunstâncias de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário;
VI - atuar junto às CTLs ou CFPEs e à Rede de Proteção, referenciando os atendimentos e os encaminhamentos de forma a manter atualizado o banco de informações quantitativas e qualitativas da realidade local;
VII - buscar orientações junto à DPDS da Funai quando os servidores que forem designados para participar de equipes multidisciplinares não possuírem experiência com tal atividade ou, ainda, quando tiverem dúvidas quanto aos procedimentos adequados;
VIII - acompanhar os casos e atuar localmente, amparandose nesta Instrução Normativa e orientações da DPDS, da Ouvidoria da Funai e da Procuradoria-Geral Federal;
IX - reiterar ao sistema de justiça sobre a necessidade da oitiva da criança ou jovem indígena, de sua família e comunidade, bem como sobre a necessidade de que seja garantida a disponibilização de intérprete.

Art. 12. A DPDS deverá:

I - oferecer subsídios para processos judiciais, quando necessário, em conjunto com unidades da Funai corresponsáveis, e mantê-las informadas sobre o seu andamento;
II - orientar as demais unidades da Funai, quando solicitada, sobre as condutas nos processos envolvendo crianças ou jovens em processos de colocação em família substituta;
III - consolidar e organizar os dados e informações encaminhados pelas unidades descentralizadas sobre crianças e jovens em processos de colocação em família substituta quaisquer outros que as envolvam;
IV - encaminhar relatórios técnicos para a sede da Procuradoria Federal Especializada, quando solicitada, atendendo aos detalhamentos, prazo, frequência e demandas inerentes a cada caso.

Art. 13. A DPT deverá:

I - orientar as Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental - CFPEs quanto às orientações da presente Instrução Normativa;
II - produzir, em articulação com a CFPE, subsídios fáticos e técnicos nos processos de colocação em família substituta de crianças e jovens oriundos de povos isolados ou de recente contato, na impossibilidade dos referidos subsídios serem produzidos pela CR em articulação com a CFPE.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 14. A unidade da Funai que receber comunicação judicial ou tiver conhecimento de aplicação de medida socioeducativa a jovem indígena deve encaminhar imediatamente, com prioridade de trâmite, a documentação correspondente à unidade competente da Procuradoria-Geral Federal.
Art. 15. Havendo conhecimento de situação de subtração de criança ou jovem indígena, a unidade local da Funai deve orientar e, quando for o caso, acompanhar o noticiante à delegacia para que este efetue o registro de Boletim de Ocorrência, podendo subsidiar procedimentos que objetivem a reinserção imediata da criança ou jovem.

Parágrafo único. Quando necessária atuação de competência da DPDS, a unidade local deverá informar a Diretoria, em caráter de urgência, para encaminhamentos subsequentes.

Art. 16. As informações, imagens, documentos, dados e processos administrativos sobre crianças e jovens indígenas em situação de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário deverão ser mantidos em sigilo.

Parágrafo único. Apenas os legitimados pelo artigo 206 do Estatuto da Criança e do Adolescente têm direito de acesso ao processo administrativo.

Art. 17. Os servidores da Funai deverão relatar à chefia e à Ouvidoria a conduta de agente público que importe em risco à criança e jovem indígena. Art. 18. É vedado aos servidores da Funai:

I - autorizar ou emitir qualquer documento concernente ao trânsito de criança ou jovem indígena dentro ou fora do país;
II - propiciar ou facilitar a colocação de criança ou jovem indígena em família substituta, em desacordo com os parâmetros desta Instrução Normativa ou do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a consecução dos objetivos da presente Instrução, a Funai deverá:

I - elaborar material educativo, promover oficinas, cursos e formações sobre o objeto da presente Instrução Normativa no âmbito da Funai;
II - assegurar que o planejamento orçamentário da Funai priorize as ações voltadas à promoção do direito a convivência familiar e comunitária das crianças e jovens indígenas.

Art. 20. No âmbito de suas competências, as unidades da Funai realizarão articulação permanente de políticas públicas, em nível nacional, estadual e municipal, com as organizações públicas e privadas, com as comunidades e organizações indígenas e a sociedade civil para promover o direito à convivência familiar e comunitária e a proteção integral dos direitos das crianças e jovens indígenas.
Art. 21. As disposições constantes da presente Instrução Normativa não excluem a incidência dos demais instrumentos jurídicos aplicáveis, observadas as peculiaridades atinentes aos povos indígenas.
Art. 22. Os casos omissos serão encaminhados à Procuradoria Federal Especializada - Sede para orientação e encaminhamentos.
Art. 23. Fica revogada a Instrução Normativa nº 01, de 22 de setembro de 2014, publicada no Boletim de Serviço da Funai nº 09, de 23 de setembro de 2014.
Art. 24. Essa Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.
JOÃO PEDRO GONÇALVES DA COSTA


Pesquisado em 17/05/2016, às 10h13min.
Fonte: https://webmail.mj.gov.br/owa/?ae=Item&t=IPM.Note&id=RgAAAACysLrLkIcNSIbXxZ%2fqCx6fBwCiBFGzM%2fDXQrMxWlDMIp59AC8gVXgXAAC6teBS5Q8KToYWI4g8hEWLACUQklbYAAAJ

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Tupi or Not Tupi: That is the question


Aracruz questiona identidade dos tupiniquins para ficar com terras

Texto de André Campos | 02/05/07
Medo de prejuízos econômicos gera tensões entre índios e moradores locais. Para defensores dos indígenas, Aracruz Celulose utiliza ameaças relacionadas ao desemprego visando colocar a população do município contra comunidades tupiniquins e guaranis
Terceira parte do Especial Aracruz X índios. Para ler desde o início, clique aqui
O local onde fica hoje a cidade de Aracruz era apenas uma pequena vila na primeira metade do século XX – quando ocupavam o município, além das comunidades tupiniquins, alguns lavradores descendentes de imigrantes italianos. A consolidação da Aracruz Celulose como uma das maiores empresas do país, contudo, mudou radicalmente esse panorama. Terceiro maior PIB per capita do Espírito Santo, o município possui atualmente 72 mil habitantes – dos quais oito mil trabalham diretamente ligados à empresa, segundo dados dela própria. Os impostos pagos pela companhia representam entre 60% e 70% da arrecadação municipal, número que sobre para 85% se contabilizada toda a cadeia produtiva a reboque do eucalipto.


Fábrica da Aracruz Celulose no município: companhia mantém oito mil empregos diretos no local
Nesse contexto, não espanta que os habitantes locais tenham ficado apreensivos quando a Aracruz Celulose anunciou a instalação de uma nova fábrica em Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul. Segundo o diretor de Sustentabilidade e Relações Corporativas da empresa, Carlos Alberto Roxo, a insegurança fundiária foi um dos principais fatores para a escolha do sul do país, em detrimento do município de Aracruz. "Não temos segurança jurídica nenhuma de que, resolvido o impasse atual, a decisão não vá ser revista no futuro, num ciclo interminável", diz ele.
No segundo semestre de 2006, foi criado o Movimento de Apoio à Aracruz Celulose, que congrega 14 entidades de classe e mais de 300 empresas. Em novembro do ano passado, a entidade reuniu, no centro de Vitória (ES), milhares de pessoas para manifestar repúdio à violência contra trabalhadores que estaria sendo supostamente cometida pelos indígenas em suas ações. Também entregou ao Ministério da Justiça um abaixo-assinado com quase 80 mil assinaturas em defesa da Aracruz Celulose.
Davi Gomes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Extrativas de Madeira de Aracruz (Sintiema), é um dos principais articuladores do Movimento. Chamado de "agitador" pelos indígenas, ele representa uma classe de 1,5 mil profissionais – quase todos ligados ao eucalipto – altamente temerosa em relação a seus empregos caso a Aracruz Celulose perca os 11 mil hectares. "É uma categoria sem instrução, que sofreria um grande baque", acredita. "Vimos que empresa estava isolada nessa discussão, por isso decidimos nos organizar."
Num episódio bastante polêmico, o Movimento realizou, em setembro do ano passado, uma passeata durante a qual foram espalhados diversos outdoors pela cidade de Aracruz. "A Aracruz Celulose trouxe o progresso. A Funai, os índios", é apenas um exemplo das expressões vinculadas através deles – que originaram inclusive ação do Ministério Público Federal por danos morais aos índios.


Celulose no porto manchada de tinta pelos índios:
moradores temem que brigas tragam desemprego
Sem nenhum tipo de pudor, Gomes questiona abertamente a identidade indígena dos moradores de Caieiras Velhas. "Ali moram pessoas comuns, o local nunca foi uma aldeia", diz. "O Jaguaretê, por exemplo, eu conheço como Vilson, da época em que ele era vidraceiro no bairro onde eu morava. Lá ninguém sabia que ele era índio."
Para lideranças guaranis e tupiniquins do município, afirmações desse tipo – assim como as ameaças relacionadas à perda de empregos – são reflexo de uma ação clara da empresa e seus aliados no sentido de colocar a população local contra os índios de Aracruz. A tensão social chegou a tal ponto que, no segundo semestre do ano passado, crianças tupiniquins matriculadas em colégios da cidade chegaram a ser impedidas por professores de acompanhar as aulas, sob a justificativa de estarem com os rostos pintados. Em festas realizadas nas aldeias, os jovens indígenas freqüentemente usam tintas no corpo que podem demorar semanas para sair.
Documentos polêmicos
Está hoje em mãos do Ministério da Justiça uma ampla contestação da Aracruz Celulose em relação à última portaria da Funai – cujos relatórios, segundo a empresa, são, no mínimo, tendenciosos. Nela incluem-se, de acordo com a companhia, escrituras comprovando que as terras foram adquiridas legalmente, de proprietários detentores delas há várias gerações. No entanto, entre defensores da causa indígena, há uma série de desconfianças em relação à veracidade e legitimidade desses documentos, que nunca foram trazidos a público.


Jaguaretê, cacique de Caieiras Velhas, é um dos que
afirma que a Aracruz Celulose quer colocar população
local contra os indígenas do município
Para garantir a posse das terras, a empresa também argumenta que os tupiniquins há muito já se integraram à sociedade, não possuindo mais traços da cultura tradicional. A existência de ruas asfaltadas, igrejas e casas de alvenaria em Caieiras Velhas – algumas até com antena parabólica – seriam apenas alguns exemplos dessa realidade.
"A Constituição garante aos índios as terras tradicionalmente habitadas por eles, mas os tupiniquins nunca ocuparam a área em litígio, e muito menos de acordo com a tradição da etnia", coloca Roxo. O diretor afirma ainda desconfiar do argumento de que os 11 mil hectares permitiriam uma retomada de antigos aldeamentos e costumes da etnia. "Temos razões para acreditar nisso, inclusive porque, no passado, eles mantiveram o eucalipto em áreas que foram obtidas da empresa."
Winnie Overbeek, da ONG Fase, questiona essa tentativa de desqualificar a identidade indígena dos tupiniquins. Para ele, trata-se de uma estratégia desesperada por conta da iminência da perda dos 11 mil hectares. "Durante todos os anos anteriores em que se discutiu a questão indígena em Aracruz, a empresa nunca disse que eles não eram índios. Por que decidiu fazer isso somente agora?", alfineta. Para ele, um exemplo da inconsistência dos argumentos da companhia é a própria negativa em divulgar os nomes dos antropólogos que teriam feito os estudos hoje utilizados para sustentar essa posição.
Um relatório interno da própria Funai, de 1981, é utilizado pela Aracruz Celulose como exemplo da atuação perniciosa que teria ocorrido no sentido de forjar uma identidade étnica diferenciada em Aracruz. O documento descreve suposta atuação de Moacir Cordeiro de Melo, então chefe do posto indígena local, visando induzir uma mulher a assumir-se como tupiniquim. "A senhora deve dizer que é índia, senão vai se arrepender depois. O governo vai ajudá-la, dar de tudo… é só assinar", teria dito a ela Moacir, que foi ninguém menos que o chefe de gabinete da Funai durante a gestão de Mércio Pereira Gomes, antecessor do atual presidente.
Diante da recusa, Moacir teria inclusive ameaçado fechar o estabelecimento comercial que essa senhora possuía. A reportagem procurou a sede da Fundação em Brasília para obter esclarecimentos sobre essa e outras colocações da Aracruz Celulose, mas a entidade informou que não se pronunciará enquanto a homologação permanecer pendente no Ministério da Justiça.
Edelvira Tureta, atual chefe de posto da Funai no município, desqualifica essas acusações. "Infelizmente, nem todos os funcionários da Fundação têm caráter e são indigenistas de coração", diz ela. "Há pessoas que se renderam aos interesses da empresa, a ponto de escrever uma asneira dessas."


Davi Gomes, sindicalista do setor de
celulose, afirma que os moradores de
Caieiras Velhas não são índios

A contestação da Aracruz Celulose não poupa nem mesmo Jaguaretê, cacique de Caieiras Velhas, cujo nome, segundo a companhia, é um exemplo da falta de cultura das pessoas daquela comunidade. "Esse apelido foi tomado emprestado de uma lenda guarani do sul do Brasil, relacionada ao surgimento e utilização da erva-mate", afirma um documento apresentado pela empresa. "Trata-se de mais uma peça no ‘mosaico étnico' do referido ‘cacique', longe de caracterizar uma cultura tupiniquim."
Werá Kwaray, líder de Boa Esperança, discorda da imagem que a Aracruz Celulose divulga em relação aos tupiniquins. "É discriminação. Eles têm características muito diferentes das dos brancos para a empresa dizer que não são indígenas", afirma o cacique dos guaranis locais, grupo cuja identidade étnica raramente é questionada em Aracruz devido ao fato de eles manterem o dialeto indígena e vários aspectos da vida tradicional.
Freqüentemente, em matas próximas a Caieiras Velhas, ocorrem hoje rituais de integração entre tupiniquins e guaranis. E foi em uma dessas ocasiões, conta Jaguaretê, que ele recebeu seu nome – durante um rito de batismo realizado no momento em que assumiu como cacique. "Significa, na verdade, onça-pintada", revela.
No Espírito Santo, guaranis e tupiniquins se consideram povos irmãos. Por dividirem o mesmo tronco lingüístico, há semelhanças entre os dois dialetos e também entre as tradições das duas etnias – o que faz Jaguaretê acreditar ser, de certa forma, um resgate do seu passado cultural essa convivência entre os grupos. "Quem é a empresa pra dizer o que é ou não é cultura indígena?", questiona.
Quanto à utilização dos 11 mil hectares, ele revela, como outros tupiniquins, desejo de reflorestar ao menos parte da área, refundar antigas aldeias e desenvolver formas de agricultura que respeitem a mata. "A nossa vida não é essa, de viver aglomerado desse jeito", reflete. "Tenho esperança de que nossos filhos vão andar pelo mato, construir e plantar longe. Isso é a liberdade que nós queremos."
Conforme o acertado com a Funai, lideranças tupiniquins e guaranis realmente foram até Brasília na semana seguinte à ocupação do Portocel. Permanecerem lá três dias, mas não foram recebidos pelo ministro Thomaz Bastos. Antes de deixar o cargo, em março deste ano, Bastos devolveu à Fundação a portaria que solicitava a demarcação dos 11 mil hectares. Pediu a elaboração de uma nova proposta, que contemple o interesse de ambas as partes. O desfecho do caso continua indefinido.
Esta reportagem foi publicada em parceria com a revista Problemas Brasileiros
Fonte:http://reporterbrasil.org.br/2007/05/aracruz-questiona-identidade-dos-tupiniquins-para-ficar-com-terras/